U Fabuliô de Hugo Possolo


Há uma loucura cotidiana talvez, mais verdadeira que as dos hospícios. As fantasias que vagam em nossas cabeças são cura e veneno da convivência humana. Se, de um lado, o prazer é um estímulo diário a existência, de outro, a falta de realização, de outro, a falta de realização pessoal e de insastifação pode armar-se contra a própria vida. Ao mesmo tempo, se podamos a imaginação perdemos a perspectiva de alcançar satisfação e se não aprendemos a conviver com o fato de que a vida é constituída de outros elementos que não apenas o prazer, podemos mergulhar, aí sim, na loucura de camisa-de-força, institucional, reconhecida.

Comediantes trabalham com objetivo de fazer rir, de propiciar prazer. Este prazer pode ser superficial ou profundo, depende do que pretende o comediante, ou mesmo de sua sensibilidade. Para de brincar com a insanidade diária, portanto, foi necessário que de tão ingênua pudesse ser realmente cruel.

Nos fabliaux franceses dos séculos XIII e XIV resvalamos na origem de situações que provocam este tipo humor.

U Fabuliô é um jeito inventado de abrasileirar fabliaux, que em francês que dizer fábula, um gênero licencioso de fábula.

Cruel ao brincar com defuntos e pornográfico ao desnudar o amor de uma mulher por um padre. Enfim, uma pornografia infantil de quem saúda o sexo, de quem o quer presente, vital, profundo; contra uma pornografia industrial, que humilha nossos desejos e fantasias, rasteria, superficial.

A profundidade de uma obra artística pode ser pretendida e não alcançada. Em geral, isto acontece quando o artista perde seu poder de comunicação com o público. Saímos então das salas escuras e vamos aos espaços abertos, situamos nossa farsa num lugar qualquer do nordeste brasileiro, mas que poderia acontecer em qualquer outro lugar. Falamos olho-no-olho com o nosso público, brincamos com ele na expectativa de que reaprenda a brincar, que possa ser cruel e pornograficamente infantil. Quem sabe assim passemos todos a enxergar de outro ângulo as nossas loucuras diárias.

Hugo Possolo Palhaço, diretor e autor