ASSOMBRAÇÕES DO RECIFE VELHO>Matérias

O Estado de São Paulo
Sexta-feira , 26 de agosto de 2005

Caderno 2 – Primeira Página
Beth Néspoli


Teatro bem-assombrado

Depois de retumbante sucesso de Agreste, seu autor, o premiado Newton Moreno, está de volta , também como diretor, em Assombrações do Recife Velho


Formado em Administração de empresas, pernambucano de Recife, Newton Moreno mudou-se para São Paulo em 1990 para estudar artes cênicas e é hoje um dos mais aplaudidos autores nacionais da nova safra. Chamou a atenção pela primeira vez na Mostra de Dramaturgia Contemporânea do Sesi, em 2002, pela força poética do texto Dentro e, pouco depois, com o belíssimo A Cicatriz e a Flor. Mas teve seu talento reconhecido com a peça Agreste, cuja montagem dirigida por Marcio Aurélio valeu a Moreno muitos elogios e os prêmios APCA e Shell.
Hoje ele volta à cena em dupla atuação , como autor e diretor do espetáculo Assombrações do Recife Velho, livre adaptação do livro homônimo de Gilberto Freyre , seu conterrâneo, autor de Casa Grande & Senzala . A encenação , para apenas 25 espectadores , passa-se dentro de um casarão tombado pelo Patrimônio Histórico , num local ocupado no século 19 por sofisticadas famílias francesas, o antigo bairro chamado Belvedere, hoje Bela Vista. O espetáculo faz juz ao termo “livre adaptação” , uma vez que Moreno juntou às histórias colhidas por Freyre outras memórias coletadas em sua terra.
No jardim meio antigo, dálias e dentes-de-leão . Nas varandas da casa, colunas duplas, ornamentadas. Aguardando no quintal, o público é abordado por personagens que parecem ter saído de um velho álbum de fotos. Um deles nos conta que um marido traído “cimentou
” a mulher contra a parede e ela morreu assim, cruelmente sufocada. “Por isso, o reboco dessa casa estoura; é ela tentando sair”, explica. Nessa atmosfera fantasmagórica, somos convidados a entrar naquela casa .
A partir daí, compartilhamos com esse grupo um imaginário que ainda existe, e resiste como um casarão semi-abandonado entre edifícios – num Brasil que “tirou o pé do mato” outro dia. Claro que Moreno não isso “apenas” para provocar sensações como medo, riso ou emoção no público. “Que assombrações são essas que resistem em nossa memória ?” pergunta Moreno. Que fantasmas carregamos pelo que matamos para construir nossas cidades ? São perguntas que ressoam ao fim desse espetáculo, cujo principal mérito parece ser mesmo o de nos transportar para outra dimensão de tempo e espaço .