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Folha de São Paulo – Ilustrada
São Paulo, 15 de janeiro de 2004

Márcio Aurélio traça fábula agreste de Newton Moreno

Uma comprida cerca separa um casal de lavradores. , de paragens sertanejas e míticas. Transposto o obstáculo, a moça e o moço se unem, até que a morte dele e as intromissões da comunidade os separem.

Assim se delineia “Agreste”, peça de Newton Moreno, 35 , autor recifence radicado em São Paulo, encenada por Márcio Aurélio, 55, com o seu grupo , a companhia Razões Inversas. A montagem inicia a temporada hoje no teatro Cacilda Becker.

O texto roça a linhagem dramatúrgica de temática homossexual praticada por Moreno em outras criações, caso de “Deus Sabia de Tudo e Não Fez Nada”. Revelações maiores acerca da “pequena surpresa” contida na obra, no entanto, ele pede para que não sejam, por ora, divulgadas.

“É um projeto antigo. Há mais de quinze anos trago essa história comigo, procurando a melhor maneira de conta-la. Ela surgiu de conversas com uma amiga de Recife que desenvolvia trabalhos de orientação sexual para mulheres no sertão pernambucano”, afirma o autor. “É um discurso amoroso, mas uma fábula agreste sobre a intolerância e a destruição da felicidade.” O texto recebeu uma leitura dramática no ano passado no ciclo “Devassos na Dramaturgia” , do Tusp.

O encenador da Razões Inversas , conjunto que desde 99 não apresentava nenhum espetáculo inédito ( o último foi “A Arte da Comédia”, de Eduardo de Filippo), se encanta com a estrutura narrativa proposta pela peça.

“Num primeiro momento, achei que não saberia como monta-la” , diz o diretor, que foi professor de Newton Moreno na Unicamp. “ Começamos a trabalhar a partir da idéia do contador de ´causos`, de que modo ele se encontra na nossa tradição, na cultura. Nisso, a gente começou a descobrir questões , como o tempo, a dimensão do tempo narrativo. Não poderia ser um tempo de videoclipe, precisávamos de um tempo que criasse camadas” .

Sua encenação se empenha em construir um espaço cênico neutro de elementos rigorosos, tais quais uma fileira de paralelepípedos a compor o cercado, varais, panos dependurados.

Na peça, um narrador desfia a trama e aqui e ali surgem cenas que recuperam os acontecimentos. Na montagem, dois atores se alternam na condição épica da meada e na levada dos fragmentos propriamente dramáticos, encampando várias personagens.

“Em `Agreste`, assumi mais radicalmente o exercício do narrador como condutor da história , mas esse narrador aos poucos assume o diálogo no desenvolvimento da peça, que é tecida hibridamente entre esses dois registros. Esse recurso épico surge por inspiração na figura do contador de histórias. Gente que ouvi muito na infância a contar `causos` e a dominar a platéia sem nenhum aparato cênico”

Além da estréia de “Agreste”, duas obras – “Dentro” ( apresentado na primeira Mostra de Dramaturgia Contemporânea do Sesi) e “A Cicatriz e a Flor” – de Newton Moreno devem se fundir em um único espetáculo e chegar ao palco neste ano. O dramaturgo prepara ainda a adaptação do livro “Assombrações do Recife Velho”, do sociólogo e escritor Gilberto Freyre ( 1900-87) para a sua companhia, Os Fofos Encenam .

Já Márcio Aurélio deve trabalhar com a atriz e produtora Ruth Escobar ( para quem dirigiu a segunda versão de “Os Lusíadas” , de Camões , por ela realizada, em 2001, num espaço do complexo Júlio Prestes) . O projeto ainda não assumiu contornos definitivos.

Pedro Ivo Dubra